Por Walter Biancardine (*)
Impossível transitar entre conversas sobre política sem escutar a pergunta sobre “até quando aguentaremos tudo isso”. Entre exclamações de indignação, apelos ao sangue de Jesus e impropérios, arrotando valentias perversas sobre o que fazer aos atuais ditadores, tamanho acúmulo de revolta mantém-se em níveis seguros de pressão graças às poderosas e eficientes válvulas do medo e comodismo: uma vez atingido o limite, este excesso é liberado através das frases “fazer o quê, né” e outras do gênero, normalmente acompanhadas pela mudança providencial de assunto.
O paradoxo, entretanto, está presente e se revela na facilidade e entusiasmo com que as pessoas se deixam seduzir por discursos fáceis como os de um Pablo Marçal ou engolem, sem questionar nada, candidaturas sacadas do fundo da gaveta como a do cantor Gusttavo Lima. Basta travestir-se de “ícone conservador” através da divulgação de algumas declarações – toscos e distantes arremedos de Bolsonaro ou até mesmo Olavo de Carvalho – e tudo está pronto: verdadeira legião de “influencers de direita” tratarão de elevar aos píncaros da lua a figura, igualmente sem investigar as origens de tais pretensões, e empurrá-lo aos eleitores. Como nada neste mundo é unânime, os discordantes logo serão tratados como pessoas que desejam “dividir a direita” e, pior, seguidas de insinuações sobre suas verdadeiras intenções.
Vamos exemplificar as afirmativas acima: nas últimas eleições municipais tínhamos, em São Paulo, a candidata Marina Helena, a qual foi solenemente “escondida” e sufocada por todo o estardalhaço em torno de um híbrido de coach, pastor e vigarista chamado Marçal.
No Rio de Janeiro – se é que vale a pena comentar – Eduardo Paes foi eternizado em sua cadeira, ainda que os cariocas e fluminenses sofram o infindável castigo de sempre serem obrigados a escolher o menos pior – Juscelino Kubitschek condenou este povo a viver para sempre em Sodoma e Gomorra, ao transladar a capital do país para Brasília.
Descendo ainda mais: o pequeno município de Maricá – RJ, entregou novamente as rédeas ao famigerado Quáquá, notório e fanático comunista que – graças aos royalties do petróleo – construiu o Hospital Che Guevara, Escola Fidel Castro e até erigiu monumentos em praça pública em homenagem aos dois assassinos. E não se trata de notória ignorância popular, pois a cidade em questão dista somente 60 km da capital, Rio de Janeiro – o caso é pura conveniência (empregos na prefeitura, sacos de cimento, telhas, etc) e medo, além da roubalheira eleitoral de sempre.
Baseado nestes dois vetores antagônicos – a nossa incrível capacidade de reclamar e nossa mais notória inação e passividade – os ditadores atualmente no poder encontram-se em situação confortável. Os fatos cotidianos justificam tal tranquilidade, bastando ver os enormes engarrafamentos nas estradas durante os feriados da virada de ano, em contraposição aos mais lamentáveis queixumes sobre falta de dinheiro e o preço da carne do churrasco – o valor da lata de cerveja pouco ou nunca é questionado, diga-se de passagem.
A inauguração de nossa ditadura do Judiciário data de 16 de agosto de 2016, quando Dilma Roussef foi afastada da Presidência da República mas, em um ato arbitrário, ditatorial e sem contestação por parte do Congresso, manteve seus direitos políticos graças à manobra desavergonhada do então ministro do STF, Ricardo Lewandowski. O que sucedeu após isso todos sabemos – e é justamente do que nos queixamos e matéria-prima de sobrevivência de muitos “influencers de direita”.
Pode-se dizer que neste vindouro dia 16 de agosto de 2025 se completarão, então, nove anos de ditadura no Brasil. Nove anos de inúmeras prisões ilegais, mortes, atropelos, perfídias do Alto Comando Militar, imposição de narrativas, censuras, banimentos e exílio de brasileiros no exterior.
Nove anos em que a maior operação de combate à corrupção foi completamente desmontada, os ladrões inocentados, dinheiro dos roubos devolvidos aos larápios e seus juízes condenados ao opróbrio da opinião pública, pela grande (e cúmplice) mídia.
Serão também nove anos em que todo o nosso feito foi ir às ruas por farra – apenas um programa de domingo, que encerrava-se pela hora do almoço e, findo o mesmo, íamos às churrascarias contar bravatas e tirar fotos enrolados na bandeira do Brasil para postar no Instagram – e isto foi tudo o que fizemos.
Simbolizando tudo isso em uma só e destacada figura, podemos dizer que são nove anos em que Alexandre de Moraes se gaba: “Eu ainda estou aqui”.