Walter Biancardine (*)
O que aconteceu ontem no Brasil não é apenas um atropelo constitucional. É uma bofetada com anel de sinete na cara de todo cidadão minimamente lúcido. Um único ministro – o Xande, o homem que não dorme sem um lampejo autoritário – suspendeu uma decisão soberana e legítima dos plenários da Câmara e do Senado, tomada por vasta maioria.
Um único juiz fecha o Congresso. E o país inteiro abaixa a cabeça, transformando o Brasil em um pátio escolar, administrado por inspetores de toga.
A medida tomada pelo ministro Xande, que suspendeu não apenas o decreto presidencial de aumento do IOF, mas também o PDL aprovado por ampla maioria no Congresso para reverter esse imposto, representa o ápice de um jogo sujo da Corte Maior – uma “tesoura por trás” que, na prática, fecha o Legislativo.
ONDE ESTÁ O GROTESCO?
- Um único juiz, sem pestanejar, anulou o veredicto de plenários da Câmara (383 x 98) e do Senado – decisões legítimas tomadas por maioria expressiva.
- O Congresso, cumprindo seu papel constitucional, deu um chega pra lá no governo, considerando o aumento “ilegal” e de “caráter meramente arrecadatório” – algo vedado por lei, conforme reconhecido por Haddad. O jogo político seguiu, fim de papo.
- Eis que surge Xande, invocando um nebuloso “indesejável embate” entre os Poderes, suspendendo tudo e convocando uma “conciliação” – como se a corte fosse terapeuta do Executivo ou estivesse revestido do papel de Poder Moderador.
Isso não é mediação institucional: é dit@dur@ judic@al.
Sim: um homem sozinho, vestido de toga e vaidade, anulou a vontade de 481 parlamentares eleitos pelo povo brasileiro. O crime? O Congresso ousou contrariar o desejo arrecadatório do governo Lula, que queria enfiar mais um imposto goela abaixo do contribuinte.
Mas dane-se o mérito. Dane-se a Constituição. Dane-se a independência entre os Poderes. O que importa agora é a “harmonia”, segundo os critérios da Corte Maior: se o Congresso ousa se opor ao Executivo, o Judiciário intervém, censur@, suspende e humilha – tudo sob a capa perfumada da “moderação” e da “democracia”, tal qual fizeram com a instituição da censura sobre as redes sociais.
O NOVO REGIME BRASILEIRO
A justificativa para o golpe jurídico? Um “indesejável embate” entre os Poderes. Ora, essa “conciliação” é eufemismo para submissão forçada. Trata-se de uma chantagem de alto nível: ou o Congresso ajoelha, ou a Corte Maior vem com tudo. E o pior é que a Câmara já está de quatro e, na prática, fechada.
Chamar isso de “mediação” é zombar do vocabulário político. O que temos é usurpação direta da função legislativa, fechamento do Congresso e a cristalização de um novo tipo de tirania: a tirania hermenêutica, onde um juiz interpreta a realidade como bem entende, reescreve a lei, julga a motivação dos deputados e governa na prática.
Não estamos mais numa democracia: estamos num juristocracia do medo. Uma oligarquia de semideuses togados, que sorriem para as câmeras enquanto destroem a República por dentro.
A Corte Maior, em vez de aplicar a lei, agora regula aumento de impostos – uma atribuição inegavelmente do Congresso e do Executivo. Isso não é falha institucional, é proclamação de supremacia, um golpe de toga.
O CÚMPLICE: HUGO MOTTA, O MORDOMO
Mas talvez nada seja tão indigesto quanto a reação do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, cuja resposta soou como um agradecimento servil. Disse ele:
“A decisão do ministro Ale*****e de M****s evita o aumento do IOF em sintonia com o desejo da maioria do plenário da Câmara […] Continuamos abertos ao diálogo institucional, com respeito e serenidade…”
É a institucionalização da covardia. É como se um carcereiro invadisse sua casa, acorrentasse sua esposa na cozinha, e você, emocionado, oferecesse café com biscoitos. Hugo Motta não defendeu o Congresso – ele assinou a rendição em papel timbrado. Tornou-se, de fato, um porta-voz informal da Corte Maior. Não existe um único traço de indignação, repúdio ou firmeza. É a genuflexão como método político.
Esqueceu de dizer: “obrigado por pisotear nosso papel constitucional”. Aplaudir o usurpador é trair a democracia. Se a Corte Maior fecha o Congresso e sua resposta não é retomar o plenário, é corromper o espírito da República.
A CONCLUSÃO QUE CHEIRA A PODRE
Xande, sozinho, atropelou o Legislativo. Negou a voz da maioria, impôs o arbítrio judicial e instaurou a dit@dur@ da toga. Na carta de agradecimento de Hugo Motta, escancarou-se a cumplicidade entorpecida do centro político. É a institucionalização do controle judicial sobre leis e impostos.
Chega de ensaios de conciliação. A democracia exige separação clara de poderes, não esse espetáculo de conchavo entre a Corte Maior, Executivo e uma Câmara submissa. Se isso não é fechamento do Congresso, o que será?
ENQUANTO ISSO, LÁ NOS ESTADOS UNIDOS…
Hoje é 4 de julho, dia da independência americana. O povo de lá celebra a coragem de homens que preferiram a guerra à servidão, a pólvora à humilhação. Homens que assinaram com sangue o rompimento com o absolutismo, que fundaram uma nação sobre o princípio inegociável da liberdade e da separação dos Poderes.
E nós, aqui? Somos convidados diariamente para um “Tea Party”, mas que esqueceram de enviar o aviso RSVP.
Resultado? A mesa está posta, mas vazia.
O povo brasileiro, além de mal educado, é covarde. Tem medo de gritar, medo de sair às ruas, medo até de pensar por conta própria.
“A continuar esta forma de governo, um dia o gangsterismo e a máfia tomarão conta do país, exigindo forças exógenas para libertá-lo”
General. Olympio Mourão Filho, 1964.