Por William Saliba (*)
O Brasil nunca viveu em toda a sua história um momento tão conturbado desde a sua independência em 1822, durante o império, quando a nação brasileira ganhou a sua primeira Carta Magna Constitucional, outorgada por Dom Pedro I em 25 de março de 1824. Essa Constituição vigorou por 65 anos, sendo um marco na organização das instituições e do ordenamento jurídico brasileiro. De lá pra cá, foram outorgadas ou promulgadas sete cartas constitucionais.
A Constituição Federal é a lei maior de um país, onde todo o ordenamento jurídico deve se assentar. Todas demais leis são consideradas infraconstitucionais, cuja função básica das mesmas é regulamentar e detalhar as diretrizes e os princípios estabelecidos na Constituição. Essas leis infraconstitucionais são todas as normas hierarquicamente inferiores à Constituição, como leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias e decretos. Elas permitem a aplicação prática dos direitos e deveres que a Carta Magna define de forma geral, traduzindo-os em normas específicas para o cotidiano da sociedade e a função básica do Supremo Tribunal Federal (STF) é ser o seu guardião.
Como a mais alta corte do Poder Judiciário, o STF deve garantir que as leis e os atos dos demais poderes (Executivo e Legislativo) estejam em conformidade com o que diz a Constituição, o que não acontece no Brasil atual. Por isso, a guerra não está perdida, somente uma batalha.
A mudança de regra adotada no julgamento do suposto golpe de estado (que nunca existiu) abriu uma “ponta solta” processual que pode beneficiar diretamente os réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. A alteração criou inconsistências em relação aos ritos anteriores, oferecendo às defesas argumentos para questionar nulidades, pedir reexame de provas e alongar a disputa jurídica.
Pelo volume de ações no mensalão, em 2014, o STF mudou a regra e mandou a competência para as turmas nas ações penais daqueles réus que tinham foro privilegiado. Em 2020, com a mudança na regra do foro, nova decisão voltou a competência para o plenário. Depois, em 2023, com o julgamento dos executores da tentativa do suposto golpe, mudaram mais uma vez a competência para a turma.
A última alteração do regimento interno não especificou o placar necessário para recursos de julgamentos feitos nas turmas. O regimento da Corte fala que, para recurso com embargos infringentes, é preciso ter o voto de pelo menos quatro ministros a favor da absolvição. Entretanto, fala sobre o placar em plenário e nada sobre a regra na turma especificamente.
Na prática, quando regras são aplicadas de forma ambígua, os advogados ganham espaço para embargar decisões, recorrer a instâncias superiores ou até solicitar habeas corpus. Esses instrumentos emperram a execução imediata das penas e ampliam o tempo de tramitação.
Além da vantagem técnica, o impasse fortalece a narrativa política de que há “insegurança jurídica” ou “motivação política” no processo. Essa leitura, usada pelas defesas, reforça a pressão sobre o Judiciário e ajuda a manter o tema em evidência no debate público.
Em resumo, a brecha processual garante aos réus tempo precioso e chances reais de reversão do resultado do julgamento.
Quando o STF substitui o caráter técnico – contrariando todo ordenamento jurídico – por um julgamento de viés político, estabelece-se um “regime de exceção”, que anula todos os direitos fundamentais do ser humano. Estabelece-se o caos.
Um processo que deveria ser sério e honrado ganha a pecha de um espetáculo circense.





















