Por Amauri Meireles (*)
Quem é do meio militar sabe que há mais de 300 (trezentos) toques de corneta e de clarim, prescritos em manual específico. Porém, existe um que não consta da relação oficial, porque não é tocado, mas, eventualmente, pode ser percebido pela tropa: “tocou barata voa”, que pode vir a ser causa de um escarcéu fora do comum.
Para quem não é do ramo, explico rapidamente o que significa o jargão que dá título a esse artigo. É quando algo inesperado acontece no meio militar e, num primeiro momento, ninguém sabe o que fazer, é um verdadeiro “salve-se quem puder”, semelhante ao que acontece quando há uma concentração de baratas e, havendo uma ação ruidosa, há uma debandada geral, cada uma fugindo para onde seu espiráculo aponta.
Essa expressão, até então, própria da área militar (imagine-se um general visitando, de surpresa, uma unidade), começa a se estender para outros locais, mais especificamente para o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
Desde que a insegurança, particularmente a decorrente da criminalidade, violenta e a organizada, alcançou patamares socialmente intoleráveis, “tocou barata voa” naquele órgão. Ali, nos gabinetes refrigerados a ar condicionado, um enorme alvoroço, provocando urgentes e estéreis reuniões, convocações, designação de comissões, promoção de seminários e viagens, dando origem a propostas de PEC, leis, decretos, portarias e afins. Atos normativos que são questionados quanto à efetividade (qualidade e objetividade) e à conveniência (não confundir com conivência) quanto ao modelo.
Não é racional uma PEC para tratar de minúcias e casuísticas, ou uma portaria ministerial para regulamentar truísmos e obviedades, ou um decreto que condiciona a liberação de recursos a uma política nacional de segurança pública e defesa social (uai, essa não abrange aquela?) mal construída, desconhecida, que não passou pelo Congresso nem pelos Estados. Pasmem! Há questionamento, inclusive, quanto à constitucionalidade.
Ora, durante muitos anos, o senhor Ministro da Justiça foi guardião da Constituição e, portanto, não cometeria essa heresia. Ou cometeria? Hum!… Muito nebulosa essa intenção de um Ministério pretender resolver uma questão de Estado!…
O que mais impressiona é o erro grosseiro cometido pelo MJSP. Se estamos diante de uma gravíssima doença social, deveria seguir o exemplo de competentes médicos: grosso modo, fazer diagnóstico e atacar as causas. Contudo, aquele órgão insiste em tratar esse câncer social com analgésico. Então, ao final, espremendo, o que temos até agora? Uma portaria que ensina a Força a usar a força. Seria cômico, se não fosse trágico!
Em simetria, do outro lado, nas ruas, “onde o bicho pega”, os órgãos que realizam a atividade policial estão surpresos e surpreendidos com a ineficiência, insuficiência e deficiência com que o tema vem sendo discutido. Pressupunham ter passado o tempo do lirismo, do criminoso visto como “vítima da sociedade”, do tratamento amador ou, pior, ideológico da questão. De que havia chegado o momento de ações firmes e operações fortes, contundentes (o que não implica em desrespeito aos direitos humanos, aleivosia com que se locupletam os disfemistas de Polícia), procedimentos voltados à garantia da Ordem e/ou ao restabelecimento da autoridade do Estado, perdida em algumas localidades.
Ora, atos que inibem, desestimulam, perturbam o trabalho das Polícias, somente causam descrédito, desmotivação, dúvidas, receios, incertezas. Como exigira certos, assertividade, arrojo, sacrifício da própria vida de um profissional tomado por esses sentimentos?
E, a exemplo de alguns levianos, menos preparados para cumprimento da missão, se se curvarem ao aceno da propina do crime organizado – que vem incrementando essa prática – quem vai nos proteger? Enfraquecer a Polícia é enfraquecer os mecanismos de proteção do nosso ambiente: a defesa da sociedade, a defesa ecossistêmica.
Numa terceira vertente, equidistante das duas anteriores, está a sociedade, angustiada, medrosa, à beira da desesperança por estar sendo consumida pelas chamas do crime, que se alastram impiedosamente. Sociedade que começa a acreditar que seus clamores não estão sendo ouvidos e sua indignação não está sendo considerada.
Afinal, até quando teremos de conviver com a incompetência no trato de questões relevantes, prioritárias, urgentes que nos devolvam a harmonia em nosso ambiente?
Enfim, reitera-se o que vem sendo falado à exaustão: A criminalidade é menos um problema policial que um grave e complexo problema sociopolítico, que o MJSP se arvora capaz de solucioná-lo, sem a participação de outros ministérios, cujas intervenções são mais importantes, na estruturação e na busca de soluções para esse gravíssimo fato social, que as do MJSP. São fundamentais!