Por Edmundo Polck Fraga (*)
Para organizar minhas reflexões sobre o conturbado momento histórico que vivemos, decidi aprofundar meus estudos na biblioteca do Supremo Tribunal Federal (STF). Ali, me deparei com um caso emblemático: o Habeas Corpus nº 410, apresentado em 1893 pelo renomado jurista Rui Barbosa em defesa dos homens detidos durante a Revolta da Armada.
A Revolta da Armada foi um movimento de insatisfação da Marinha do Brasil contra o então presidente da República, Floriano Peixoto. Ele assumiu o cargo após a renúncia do marechal Deodoro da Fonseca, mas não convocou eleições, como determinava a Constituição da época. Esse ato gerou forte oposição, especialmente entre setores do Exército e da Marinha, que o acusavam de se manter no poder de forma ilegítima.
O levante foi liderado pelos almirantes Saldanha da Gama e Custódio de Mello, então ministro da Marinha. Os combates foram marcados por bombardeios navais e intensos confrontos, atingindo não apenas embarcações militares, mas também civis. No entanto, as forças governistas conseguiram conter a revolta e prender diversos envolvidos.
Nesse contexto, Rui Barbosa impetrou o HC 410, solicitando a libertação de 48 pessoas, entre brasileiros e estrangeiros, detidos ilegalmente sob a acusação de crimes militares inafiançáveis. O jurista argumentava que apenas a intervenção do Supremo poderia frear os abusos cometidos pelo governo.
Defendendo corajosamente que, desde a Constituição do Império, já estava estabelecido que qualquer prisão sem culpa formada exigia que o juiz emitisse, em 24 horas, uma nota informando ao detido o motivo da prisão, os nomes dos acusadores e eventuais testemunhas, Rui Barbosa sustentou que as detenções da Revolta da Armada ocorreram sem essas formalidades legais e que o presidente não tinha competência para ordená-las.
O STF, por maioria esmagadora, atendeu ao pedido e determinou a soltura dos prisioneiros. O entendimento do colegiado foi unânime: as prisões eram ilegais e arbitrárias, não configurando crimes sujeitos à Justiça Militar.
A decisão decorrente do pedido de Rui Barbosa tornou-se um marco para o STF, consolidando seu papel na defesa dos direitos individuais e no combate a prisões arbitrárias. Além disso, esse julgamento é considerado histórico por estudiosos do período, pois foi a primeira vez que o Supremo afirmou explicitamente seu poder como guardião da constitucionalidade das leis.
Entretanto, o cenário atual parece caminhar em sentido inverso. Os valores outrora defendidos pelo STF, ao invés de permanecerem ancorados na Constituição, muitas vezes a ultrapassam, criando insegurança jurídica. Quanto mais a Corte se distancia do texto constitucional, mais injustiças se acumulam.
Rui Barbosa anteviu esse risco ao afirmar: “A pior ditadura é a do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”. Seu alerta ressoa ainda mais forte quando as demais instituições, fragilizadas e desmoralizadas, tornam-se cúmplices desse processo.
Diante desse contexto, impõe-se uma reflexão inescapável: ordens ilegais devem ou não ser cumpridas? Com a palavra, o povo brasileiro!