por Cleuzany Lott (*)
A decisão dos desembargadores da 25ª Câmara de Direito Privado de São Paulo deixou o segmento condominial em alerta em todo o país. Para o colendo tribunal, o proprietário do imóvel não responde pelas multas aplicadas pelo condomínio ao inquilino que cometeu a infração.
Esse posicionamento diverge da jurisprudência, abrindo um precedente que vai dar dor de cabeça aos gestores. A ação, em fase de segunda instância, criará um obstáculo ainda maior para receber o dinheiro de multas impostas a inquilinos ou possuidores infratores.
Trata-se do processo nº 1119253-58.2020.8.26.0100, movido por um condomínio de São Paulo contra um morador. A dona do imóvel morreu. Por força de uma decisão judicial, o viúvo permaneceu no apartamento. Por reiteradas vezes, ele desrespeitou o regimento interno e a convenção, tornando-se antissocial. Seguindo o artigo 1.335 do Código Civil, o condomínio aplicou multas, cujos valores chegaram a R$ 100 mil. O viúvo não pagou a sanção pecuniária.
O artigo 1345 do Código Civil vincula as obrigações financeiras referentes ao imóvel ao proprietário, independentemente de quem esteja ocupando a unidade, o que no direito se chama obrigação “propter rem“. Com base nesse dispositivo, o condomínio cobrou do proprietário, representado pelo espólio, a dívida contraída pelo morador.
O primeiro juiz entendeu que a multa é de cunho pessoal e não permitiu a transferência da dívida para o espólio, que são os bens e obrigações deixados por uma pessoa após o falecimento. O condomínio recorreu da decisão; contudo, na revisão do caso, os desembargadores também desatrelaram a dívida do imóvel.
Funciona assim: quando o inquilino ou possuidor deixa de pagar a taxa de condomínio, por exemplo, o síndico ou administradora cobram o débito do dono do apartamento. O mesmo ocorre com as multas ou qualquer prejuízo que o inquilino ou possuidor causar e não pagar. Ou seja, o proprietário é responsável por tudo que estiver vinculado ao imóvel, proporcionando uma certa garantia ao condomínio de que vai receber o que for devido.
Pela decisão do Tribunal de São Paulo, as multas não fazem parte das despesas ordinárias e extraordinárias necessárias para manter o funcionamento do condomínio. Elas têm caráter punitivo e por isso não estão vinculadas ao imóvel e sim ao infrator.
Ao perder a característica “propter rem“, a multa, que geralmente vem no boleto, terá que ser cobrada à parte. Portanto, o condomínio percorrerá um longo caminho na Justiça para recebê-la. Isso porque, desde o mês de março de 2016, as cotas condominiais passaram a ter natureza de título executivo extrajudicial, eliminando a necessidade de entrar com ação na justiça para que o juiz reconheça a exigibilidade da obrigação de pagar a quantia, para, após a fase de conhecimento, seguir para outras fases até chegar à possibilidade de execução da dívida.
Na prática, ao que tudo indica, os condôminos serão penalizados duas vezes: primeiro por ter que suportar o desrespeito às regras condominiais. Segundo, pelo desgaste de encarar a morosidade da Justiça sem ter a certeza de que vai receber a quantia, tendo em vista que não são raras as situações em que o inquilino não possui bens que possam ser penhorados para pagar o que devem.
Por fim, resta aos síndicos e administradoras estar bem orientados quanto às mudanças das leis para que tenham uma gestão bem-sucedida.
(*) Cleuzany Lott é advogada especialista em direito condominial, síndica profissional, jornalista, publicitária e diretora da Associação de Síndicos, Síndicos Profissionais e Afins do Leste de Minas Gerais (ASALM).