*Cleuzany Lott
O artigo 5º, incisos IV e IX da Constituição Federal, são os mais famosos quando se trata do direito à liberdade de expressão. O artigo 200, da mesma Carta Magna, reforça a proibição de cercear a manifestação do pensamento, da atividade artística, intelectual, científica e todo o debate para construção de um Estado democrático. Na seara condominial, observa-se o mau uso desta garantia constitucional.
Ao ocupar um cargo eletivo, a posição do síndico se compara a de pessoas públicas ou que exercem funções públicas, as quais teriam que suportar o ônus das críticas e conviver com fiscalizações. Mas é um equívoco acreditar que a Liberdade de Expressão é um direito absoluto. Tanto no ambiente on-line quanto no off-line, síndico, condômino ou qualquer outra pessoa são titulares de garantias também constitucionais, como o direito à honra e à imagem elencados no inciso X, do artigo 5º.
A percepção de onde termina o direito de uma pessoa e inicia-se o direito da outra, está relacionada com a lesão à honra, dignidade ou imagem do atingido. Essas atitudes se enquadram nos crimes contra honra, tipificados nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal Brasileiro.
O artigo 138 trata da calúnia, que ocorre quando uma pessoa acusa falsamente um crime a outra pessoa sem ter provas, ou sabendo que é mentira. Dizer que o síndico está desviando o dinheiro do caixa do condomínio, por exemplo, é uma calúnia. Isso porque a apropriação indébita é crime previsto no artigo 168 do Código Penal. Ao acusar falsamente o síndico de um crime que ele não cometeu, caracteriza-se calúnia.
Quem propaga ou divulga a calúnia também comete o crime, correndo o risco de ser condenado a detenção de seis meses a dois anos e multa. Outro detalhe importante: a calúnia contra os mortos também é punível. Portanto não é porque o síndico morreu que as pessoas podem dizer que ele desviou dinheiro do condomínio sem ter provas. Mas se a pessoa estiver falando a verdade e provar o ato, a calúnia deixa de existir.
O artigo 139 do Código Penal descreve o crime de difamação. Neste caso, o fato negativo sobre a pessoa não se trata de crime. A difamação consiste em denegrir, tirar a boa fama de pessoa publicamente, atingindo sua reputação. Não importa se o que foi falado é verdadeiro ou não. Por exemplo, dizer que o síndico, condômino ou morador tem um caso com alguém comprometido, ou está traindo a esposa ou marido, ou ainda que a pessoa vive bêbada. Neste caso, a honra objetiva, ou seja, a boa imagem que o síndico ou demais pessoas possuem no condomínio e na sociedade, está sendo atingida. A pena para esta infração é de três meses a um ano e multa. Mas só é crime se as ofensas forem feitas na presença de outras pessoas ou se tornarem públicas.
Já o artigo 140 do CP trata da injúria, que, ao contrário da difamação, ofende a honra subjetiva, o sentimento de autoestima, autoimagem de quem está sendo atingido e não precisa ser na presença de outras pessoas. São os xingamentos, exposição de defeitos ou desqualificação que atinjam a honra e a moral da pessoa. Será injúria quando a pessoa sentir que seu amor próprio ou sua compostura e moral foram atacados. Esta ofensa pode ser verbal quando há xingamentos do tipo “burro, anta, loira burra, imbecil, idiota” etc, escritos seja com palavras ou desenhos, como “memes” nas redes sociais, gestos e até fisicamente, quando, por exemplo, a pessoa desfere um tapa na cara da outra com objetivo de desmoralizá-la.
Se houver lesão, a pessoa que desferiu o tapa poderá responder também pelo crime de lesão corporal. Se as agressões ocorrerem por causa da raça, cor, etnia, religião, orientação sexual ou se o ofendido for idoso ou deficiente, será considerada injúria discriminatória. As penas variam de um mês a três anos de reclusão e multa. Mas se o juiz entender que o ofendido, de forma reprovável, provocou a injúria, ou se houver retorsão imediata que consista em outra injúria, o juiz poderá deixar de aplicar a pena.
Tanto no stalking, abordado no último domingo, quanto a ofensas à honra, à dignidade das pessoas, é importante ter provas contundentes para caracterizar os crimes. O processo por crimes contra a honra tramita na vara criminal, mas nada impede que o ofendido mova uma ação na vara cível solicitando indenização financeira, independente do resultado da ação penal. Caberá ao juiz analisar o caso concreto para decidir quem tem razão.
Porém, o melhor a se fazer é se colocar no lugar do outro e não fazer com ele o que não gostaria que fizesse com você ou, como um bom cristão, lembrar de Lucas 6:37-38: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados; dai, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também”.
(*) Advogada especialista em direito condominial, síndica profissional, jornalista, publicitária e diretora da Associação de Síndicos, Síndicos Profissionais e Afins do Leste de Minas Gerais (ASALM).