Durante audiência da Comissão de Fiscalização e Controle do Senado (CTFC), realizada ontem (30), participantes do debate apontaram indícios de “anomalia” no processo eleitoral de 2022. Eles reiteraram as denúncias de que teria ocorrido desequilíbrio na veiculação das inserções de propaganda em rádio durante a campanha. Também afirmaram que há auditorias e relatórios que precisam ser examinados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A audiência, que durou pouco mais de 11 horas, foi solicitada pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE). As informações são da Agência Senado.
Girão declarou que se observa uma “escalada antidemocrática” no país quando o TSE responde a questionamentos sobre as eleições de forma “arbitrária e abusiva”. Segundo ele, o TSE promove “censura” contra aqueles que levantam qualquer contestação sobre o processo eleitoral.
“Outra grave denúncia foi a [de que houve] irregularidade na veiculação de milhares de inserções, já se falam em milhões, supostamente subtraídas de um candidato [Jair Bolsonaro], que acabou resultando na mal explicada demissão de um servidor público federal, Alexandre Machado, que foi convidado para esta sessão e se recusou a vir. Mas, no dia 3, o TSE deu três motivos para a demissão dele. Então, isso deixa dúvidas, porque esse funcionário disse num depoimento à Polícia Federal que a falta de fiscalização e falhas na comunicação estavam acontecendo desde a eleição de 2018”, disse o senador.
O senador Carlos Portinho (PL-RJ), que é advogado, questionou se não seria dever do TSE fiscalizar a denúncia de “subtração das inserções” de propaganda sob pena de prevaricação. Para ele, o tribunal deveria ter apurado a denúncia com o auxílio do Ministério Público.
“Não seria dever do TSE, a partir da denúncia comprovada, dar a resposta e a solução para retribuir o tempo que foi subtraído da propaganda do candidato?”, perguntou Portinho, que é o líder do governo no Senado.
Fábio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social do governo federal, declarou que a campanha pela reeleição de Bolsonaro “cumpriu à risca” todos os comandos definidos pelo TSE no que diz respeito ao envio do plano de mídia, de vídeos e “spots” para as emissoras nos horários determinados. Ele disse que as emissoras de TV e rádio eram as responsáveis por “baixar” os respectivos arquivos na “nuvem”, sem intermediações.
Segundo Wajngarten, no entanto, a campanha de Bolsonaro começou a receber denúncias de que o material da campanha do atual presidente não estaria sendo exibida em emissoras de rádio de diversas regiões, o que levou a equipe a investir em auditorias que, de acordo com ele, apontaram a não veiculação de 1.253.000 inserções.
“No meu ponto de vista, onde houve a falha do órgão mediador? Seria dever do TSE verificar se as rádios baixaram ou não os respectivos materiais. Até porque as rádios compensam tributos pela veiculação no período eleitoral. É dever das campanhas auditar as veiculações, como bem disse o ministro Alexandre de Moraes. Não é atribuição do TSE auditar campanhas. Não é. Em nenhum momento eu disse que era. Porém, é dever e simples, no meu ponto de vista, com toda a tecnologia e toda a estrutura que o TSE diz possuir, com tanta segurança que o TSE diz desenvolver, ele deveria simplesmente ao lado de cada veículo colocar verde ou vermelho. A rádio quinze não sei das quantas, da cidade não sei de qual estado, baixou no dia 10 ou não baixou o material obrigatório. Simples. Um check list”, argumentou Wajngarten.
O coordenador de Repressão a Crimes Fazendários da Polícia Federal, Cléo Matusiak Mazzotti, informou que a instituição vem atuando nesse caso com o que se chama de “notícia crime em verificação” — para, de acordo com ele, verificar se houve qualquer infração administrativa eleitoral ou crime do impedimento do exercício de propaganda.
“Nós precisamos realmente fazer uma investigação prévia para verificar se ocorreu esse tipo penal, e isso está sendo feito. Soubemos dessa situação por meio de um denunciante (…). A Polícia Federal está efetuando diligências, encaminhou ofícios a órgãos, inclusive ao TSE. Então o processo está em andamento”, declarou Mazzotti.
ABUSO DE PODER
Os senadores Marcos do Val (Podemos-ES), Esperidião Amin (PP-SC), Guaracy Silveira (PP-TO) e o senador eleito Magno Malta (PL-ES) criticaram as respostas do TSE aos questionamentos sobre o processo eleitoral. Eles protestaram, por exemplo, contra a aplicação da multa ao PL. E sugeriram a criação de uma comissão para investigar o que eles classificam como abuso de autoridade em casos como o do inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre fake news.
“Não faltaram aos mesmos ministros [do STF] oportunidades de falar, de dar entrevistas aqui e no exterior. (…) Alguns de nós temos procurado por este meio [audiências públicas e requerimentos], no mínimo, esclarecer qual é a genética do inquérito 4781 [sobre fake news], que deve ser objeto número um de qualquer investigação sobre abuso de autoridade, porque é o mais prolongado de todos. Desde março de 2019 isso teve início, não teve objeto definido. E quando um demandante, por exemplo, um partido político, pede alguma coisa desagradável, não só pode ser multado como pode ter o seu presidente incluído no inquérito”, disse Esperidião Amin.
Opinião semelhante foi manifestada por Sebastião Coelho, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, e Ivan Sartori, advogado e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
“Um ministro, alguns ministros, resolvem que o país deve seguir determinada direção independentemente da Constituição, de normas, da legalidade, e [promovem] perseguições, censura, desmonetização, calando as pessoas. Quero me solidarizar com essas pessoas, com deputados, jornalistas, empresários, por tudo o que têm passado”, afirmou Sartori.
O deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS), que solicitou a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) na Câmara para investigar abusos de autoridade, declarou que é “inadmissível” não “poder contestar” qualquer eventual irregularidade que, segundo ele, possa ter desequilibrado a disputa eleitoral para presidente da República. Ele disse que não pode haver “censura” a quem apresenta questionamentos ao TSE.
“Temos parlamentares censurados, com restrições às suas liberdades por crime de opinião. Isso é inadmissível numa democracia. E é por isso que já não podemos dizer que vivemos numa democracia plena no nosso Brasil. A ruptura já aconteceu”, acrescentou o deputado.
A influenciadora digital Bárbara Destefani, responsável pelo canal do Youtube Te atualizei, foi incluída no inquérito das fake news e teve seu conteúdo “desmonetizado” pela plataforma. Ela afirmou que atualmente há no Brasil uma “censura ideológica” imposta pelos tribunais superiores, e pediu apoio dos congressistas para que lhe seja garantido o “acesso ao Estado Democrático de Direito e ao devido processo legal”.
“A censura começa de um lado e vai tragar a todos. Vai puxar a todos. Cuba está desde 1959 aguardando a liberdade. Nós não seremos Cuba”, protestou ela.
INSEGURANÇA JURÍDICA
O jurista Ives Gandra declarou que está preocupado com o cenário atual, que ele descreveu como de “insegurança jurídica máxima”. Também disse que discorda das últimas decisões dos tribunais superiores. Ele argumenta que vários magistrados interferem na competência de outros poderes e, ao fazer isso, estão “redigindo uma nova Constituição”.
“O que nós estamos vendo é que aquilo que foi colocado pelo constituinte, como separação total dos poderes, harmonia e total independência dos poderes, não tem sido respeitado. Isso eu tenho contestado com o devido respeito aos ministros da Suprema Corte. Mas eles têm legislado. Eles têm entrado na competência do Executivo, têm entrado na competência do Legislativo. O Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, investiga, prende, dá início a ações, mesmo quando a Procuradoria-Geral da República pede que ela [a ação] seja arquivada, como no caso do inquérito das fake news”, afirmou Ives Gandra.
O ex-procurador geral do Estado do Ceará Djalma Pinto declarou que a “insegurança jurídica” foi provocada a partir do momento em que o STF considerou inconstitucional resolução do próprio TSE autorizando a impressão do voto. Ele acredita que a situação atual poderá exigir um debate mais profundo do Parlamento sobre temas como controle de constitucionalidade e investidura na Justiça Eleitoral.
“A atual crise vivenciada na alternância do poder em nosso país poderá propiciar um aprimoramento no exercício da atividade jurisdicional”, disse ele.
URNAS ELETRÔNICAS
Fernando Cerimedo, fundador da Numen Publicidad, reapresentou durante a audiência um relatório que, segundo ele, identificou “anomalia” no processo eleitoral para escolha do presidente. Para Cerimedo, os dados levantados indicam uma “provável fraude”. Ele reafirmou que as urnas eletrônicas anteriores a 2020 não possuem memória interna e podem ter sido alvo de manipulação para favorecer o candidato Luiz Inácio Lula da Silva.
“O impedimento do fortalecimento da transparência no processo eleitoral por meio da imposição da ideia de lisura das urnas e das eleições, com a condenação das contestações, é um claro processo de inversão de conceitos”, argumentou.
Já o presidente do Instituto Voto Legal, Carlos Rocha, apresentou o relatório que essa entidade fez a pedido do PL. Rocha disse que o estudo identificou “indício de mau funcionamento da urna” devido a supostos erros encontrados a partir de dados constantes na documentação pública e no “Log de Urna”, fornecidos pelo TSE. Por outro lado, ele afirmou que o próprio TSE pode realizar uma análise, a partir de colaboração com a Polícia Federal, para verificar se esses erros são apenas erros de programação.
“Nosso trabalho não atacou as urnas. Nós consideramos as urnas um bom produto. Nós estamos aqui apresentando oportunidades de melhorias. Em nenhum momento nós mencionamos fraudes. Não nos cabe afirmar [isso] porque nós não temos evidência disso. E isso será analisado dentro do processo de verificação extraordinária e, eventualmente, se for necessário, o TSE é quem vai decidir isso. Naturalmente existem, por exemplo, especialistas em perícia digital forense na Polícia Federal que podem fazer um aprofundamento nas causas eventuais que geraram esses erros. Que podem ser meramente um erro de programação”, ressaltou Rocha.
Além de senadores como Luis Carlos Heinze (PP-RS), participaram do debate vários deputados federais que apoiam o governo Bolsonaro, como Carla Zambelli (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), General Girão (PL-RN), Otoni de Paula (MDB-RJ), Daniel Silveira (PTB-RJ), Filipe Barros (PL-PR), José Medeiros (PL-MT), Delegado Éder Mauro (PL-PA) e Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG), entre outros.
Foram convidados para a audiência, mas não compareceram, o ministro das Comunicações, Fábio Faria; o presidente do TSE, Alexandre de Moraes; o ministro do STF Ricardo Lewandowski; e o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), José Alberto Simonetti.