A disputa judicial de mais de uma década entre a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a multinacional Ternium em torno do controle da Usiminas pode ganhar um novo capítulo com uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O caso, que gira em torno da interpretação da Lei das Sociedades Anônimas (Lei das S/A), traz à tona a fragilidade jurídica no Brasil, colocando em risco não apenas as duas empresas envolvidas, mas a segurança jurídica do mercado de capitais como um todo.
Como já citei neste meu espaço, o embate começou em 2011, quando a Ternium adquiriu uma participação de 27,7% no capital da Usiminas. À época, a Ternium alegou que essa fatia não configurava controle acionário e, portanto, não estava obrigada a fazer uma oferta aos acionistas minoritários, como prevê a Lei das S/A em casos de alienação de controle. No entanto, após anos de disputas judiciais, a Ternium alcançou 61,3% do bloco de controle da Usiminas em 2023, reacendendo o debate sobre se houve ou não a alienação do controle em 2011.
Decisões contraditórias ao longo do tempo aprofundaram a incerteza. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) inicialmente se posicionaram a favor da Ternium, mas, em uma reviravolta recente, o STJ reverteu sua própria decisão e impôs à empresa a obrigação de pagar uma multa de R$ 5 bilhões à CSN — valor que representa quase 65% do valor de mercado atual da Usiminas, estimado em R$ 7,7 bilhões. O impasse, no entanto, ainda não está resolvido, e a questão jurídica que permeia o caso chegou ao STF.
A entrada do Supremo no cenário se deu de forma indireta, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). O objetivo da ação é que a mais alta corte do país esclareça os termos da Lei das S/A, em especial no que diz respeito à necessidade de oferta pública para acionistas minoritários em casos de aquisição de controle. O veredicto do STF, seja ele qual for, tem potencial para alterar os rumos dessa disputa e, sobretudo, para redefinir os limites da atuação de empresas estrangeiras no Brasil, além de consolidar (ou enfraquecer) a segurança jurídica para investidores.
O ponto central dessa questão, no entanto, vai muito além da briga entre CSN e Ternium. O real problema é o grau de previsibilidade do ambiente jurídico no Brasil. Decisões divergentes em diferentes instâncias e mudanças abruptas de entendimento como a que ocorreu no STJ são motivos de apreensão para o mercado. Especialistas apontam que, em um cenário de insegurança jurídica, o Brasil se torna menos atraente para investidores estrangeiros, que passam a temer surpresas no curso de suas operações, como uma eventual mudança de regras no meio do jogo.
É preciso considerar, também, o impacto que uma multa de R$ 5 bilhões pode ter sobre a Ternium e sobre a própria Usiminas, que ainda é uma das principais siderúrgicas do país. A imposição de tal penalidade pode dificultar os planos de atualização tecnológica da Usiminas e trazer reflexos negativos à economia da Região Metropolitana do Vale do Aço.
Em última instância, essa indefinição também prejudica os acionistas minoritários, que se veem no meio de uma disputa de titãs sem saber ao certo quem, de fato, detém o controle da empresa na qual investiram.
Ainda que o STF não julgue diretamente a disputa entre CSN e Ternium, sua interpretação da Lei das S/A terá reflexos importantes sobre o caso. Um posicionamento favorável à CSN poderia resultar na manutenção da multa imposta à Ternium, criando um precedente que afetaria todas as operações de fusão e aquisição no país. Por outro lado, um entendimento mais flexível poderia reforçar o controle da Ternium sobre a Usiminas e assegurar a vitória definitiva da multinacional.
A solução para essa longa disputa não passa apenas por um simples veredicto judicial, mas pelo fortalecimento da segurança jurídica no Brasil. Para que o país possa se tornar um ambiente atrativo para negócios e investimentos, é essencial que as regras sejam claras e aplicadas de maneira uniforme. A constante revisão de entendimentos, como a que ocorreu no STJ, precisa ser evitada para que o Brasil possa inspirar confiança no mercado internacional.
Ao final dessa batalha jurídica, uma reflexão se impõe: o Brasil, para crescer de forma sustentável, precisa garantir previsibilidade nas suas instituições. Sem essa segurança, os efeitos sobre o ambiente de negócios e, consequentemente, sobre o desenvolvimento econômico do país podem ser devastadores.
Resta ao STF, agora, não apenas resolver o impasse entre CSN e Ternium, mas também dar uma resposta clara sobre qual rumo o país deseja tomar: o da incerteza ou o da estabilidade jurídica.
O Brasil, Minas e o Vale do Aço clamam por uma solução.