Por Edmundo Fraga (*)
A história das ferrovias no mundo começou nos Estados Unidos e na Europa, com a construção de linhas férreas independentes e privadas durante o século XIX. Ao longo do século XX, muitas dessas ferrovias foram estatizadas, principalmente devido à crescente intervenção do Estado nas infraestruturas estratégicas.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Japão seguiu um caminho oposto. Enquanto a maioria dos países optava pela estatização do setor ferroviário, o Japão decidiu transferir a gestão das suas ferrovias e estações para empresas privadas. Esta decisão foi crucial para o desenvolvimento notável de sua malha ferroviária, que, hoje, é referência mundial em eficiência e inovação tecnológica.
O Brasil, no entanto, trilhou um caminho diametralmente oposto. Ao longo do tempo, o país paralisou investimentos e permitiu o sucateamento da maior parte de suas ferrovias, preservando apenas algumas linhas estratégicas, como a Ferrovia Vitória a Minas, que ainda acompanha o curso do Rio Doce.
Fatores como o crescimento urbano acelerado, a popularização do automóvel e a distribuição desigual da malha ferroviária (com 52% da infraestrutura concentrada na Região Sudeste) contribuíram para a estagnação do transporte ferroviário de cargas. O transporte de passageiros, por sua vez, praticamente desapareceu, restando apenas rotas metropolitanas e turísticas, limitadas e ineficientes.
Durante décadas, a indústria automotiva foi vista como a principal impulsionadora da economia brasileira. O setor gerou milhares de empregos e fomentou uma extensa cadeia produtiva. Contudo, esse modelo, que favorecia o transporte rodoviário, está perdendo força à medida que crescem as demandas por uma infraestrutura logística mais sustentável e eficiente.
Após anos de retrocessos, o Brasil parece estar finalmente redescobrindo as vantagens das ferrovias: custos operacionais mais baixos, alta capacidade de carga, menor impacto ambiental e maior segurança. As ferrovias são, portanto, especialmente adequadas ao transporte de commodities como minério de ferro, produtos siderúrgicos, derivados de petróleo, fertilizantes e mercadorias agrícolas.
Nesse contexto, o governo recentemente autorizou a Petrocity Ferrovias Ltda. a captar recursos privados na ordem de R$ 14,5 bilhões para a construção das Estradas de Ferro Minas-Espírito Santo (que ligará Barra de São Francisco/ES a Ipatinga/MG com um trecho de 242 km e a Ferrovia JK (que conecta Anápolis/GO a Barra de São Francisco/ES.
A Ferrovia JK estranhamente faz referência ao ex-presidente Juscelino Kubitschek (incentivador do transporte rodoviário e ao enfraquecimento do setor ferroviário), além disso, seu traçado apresenta uma curva de cerca de 400 km, que atravessaalguns municípios de Minas Gerais, como: Lagoa dos Patos, Montes Claros, Grão Mogol até a cidade de Teófilo Otoni.
A expectativa é de que esse projeto, se bem-sucedido, ajude a melhorar a eficiência do transporte ferroviário de cargas e a fortalecer a competitividade do Brasil.
Se o objetivo principal da ferrovia é atender a cidade de Montes Claros, um traçado direto e mais econômico poderia ter sido projetado, eliminando a extensão desnecessária da curva. A opção por esse longo desvio levanta questões sobre possíveis interesses políticos ou regionais, uma vez que, em um momento em que a eficiência logística é essencial para o desenvolvimento econômico do Brasil, a construção de ferrovias com trajetos mais diretos e custos mais baixos deveria ser a prioridade.
A dúvida sobre a justificativa para o traçado da Ferrovia JK reflete um cenário mais amplo no Brasil, onde projetos de infraestrutura frequentemente são moldados por interesses políticos locais, em detrimento de uma visão mais racional e integrada para o país. Em tempos de crescente competitividade global, o Brasil precisa reavaliar seus investimentos e adotar uma abordagem estratégica para revitalizar sua malha ferroviária, garantindo maior eficiência, redução de custos e estímulo ao desenvolvimento econômico.