Por Ricardo Ramos (*)
No Brasil, o humor muitas vezes serve como uma válvula de escape diante das tensões políticas e sociais. Um dos bordões mais memoráveis da comédia brasileira moderna, “Vou fingir que nem ouvi”, popularizado pelo comediante Marcelo Adnet, capta de maneira irreverente a postura de quem, diante de uma situação complicada, prefere ignorar a realidade ao invés de se envolver diretamente. Este bordão, que provoca risadas, também revela uma triste verdade sobre a situação política atual no país. Cada vez mais, cidadãos, jornalistas, e até políticos, se veem forçados a “fingir que não ouviram”, a “não ver” e a “não falar” sobre os eventos que acontecem ao seu redor. Esse comportamento se reflete de maneira dramática no cenário político atual, onde a perseguição política e a vigilância do Supremo Tribunal Federal (STF) se tornam elementos cotidianos da vida pública.
Para entender esse fenômeno, vale refletir sobre a consagrada figura dos três macaquinhos: “não vejo, não ouço e não falo”. Um simbolismo que remete à ideia de que, para não se envolver em problemas, é necessário se ausentar de qualquer reação. O comportamento de se calar frente aos acontecimentos políticos não é apenas uma escolha pessoal, mas uma resposta a um contexto que gera receio, divisão e um senso de impotência diante da justiça e da política.
O Brasil vive um momento em que a liberdade de expressão e a atuação política estão sob constante vigilância. A perseguição política, especialmente contra figuras que se opõem ao governo atual, é uma realidade cada vez mais comum. Líderes de oposição, jornalistas, e até cidadãos comuns que expressam suas opiniões nas redes sociais, enfrentam ações legais que podem ser vistas como uma forma de silenciamento.
Nesse contexto, “fingir que nem ouvi” não é apenas uma frase engraçada, mas um reflexo de uma postura de sobrevivência. Ao invés de se envolver em discussões acaloradas ou tomar posições que possam colocar sua liberdade ou seus direitos em risco, muitas pessoas preferem se omitir. Adotar a postura dos três macaquinhos — “não vejo”, “não ouço”, “não falo” — tornou-se uma estratégia de proteção.
O STF, que em tese deveria ser a guardiã da Constituição e da democracia, muitas vezes se coloca como árbitro de disputas políticas, o que tem gerado críticas. A atuação da corte, que frequentemente toma decisões envolvendo figuras públicas e até cidadãos anônimos, alimenta a sensação de um sistema judicial em que a política e a justiça se confundem. Cada vez mais, cidadãos e jornalistas se sentem pressionados a “não falar” sobre determinados temas, a “não ver” os abusos de poder e a “não ouvir” os discursos que desafiam o status quo.
Essa postura de omissão não é, como muitos podem pensar, uma escolha de neutralidade, mas sim uma reação ao medo de represálias. Em tempos de um clima político polarizado, em que a verdade parece ser substituída por uma narrativa única imposta por grupos de poder, a autocensura se torna uma forma de autoproteção. O que antes era um ato de rebeldia e afirmação de direitos individuais, como protestar ou se manifestar contra políticas públicas, hoje se torna um risco pessoal. O medo de ser perseguido, processado ou até mesmo preso por expressar uma opinião contrária à dominante é real, e a resposta tem sido a do silêncio.
Esse silêncio, entretanto, não é uma solução, mas uma evidência de um problema maior. O sistema que deveria garantir a liberdade e os direitos individuais dos cidadãos parece estar se transformando em um mecanismo de controle e punição para aqueles que se opõem ao poder.
A perseguição política no Brasil, que ganhou novos contornos nos últimos anos, se reflete de maneira clara nas atitudes e decisões do STF. Embora a corte tenha a função de proteger a Constituição e assegurar a justiça, em muitos momentos suas decisões têm sido vistas como instrumentais, com conotação política e ideológica. Casos emblemáticos, como a prisão de figuras políticas de oposição e o uso da Justiça como ferramenta de calar vozes dissonantes, ilustram um momento de grande instabilidade institucional.
A sensação de impunidade e de poder absoluto de certas autoridades também contribui para a ideia de que o cidadão comum deve se omitir. Ao ver grandes figuras políticas sendo perseguidas ou silenciadas, o brasileiro médio sente-se impotente e teme que qualquer manifestação contrária ao regime estabelecido possa gerar consequências irreversíveis. O STF, em sua função de controlar o poder político, muitas vezes se coloca como juiz e parte, criando um ambiente em que qualquer “discurso errado” pode ser visto como uma ameaça.
Neste contexto, a postura dos três macaquinhos ganha força. “Não vejo, não ouço, não falo” torna-se um reflexo natural de quem não quer ser alvo de investigações, de quem deseja viver sem a constante ameaça de ser preso ou perseguido por suas opiniões. A liberdade de expressão, que deveria ser um direito inalienável, torna-se uma concessão, sujeita às vontades de quem detém o poder.
É preciso fazer uma reflexão: até quando o Brasil vai continuar a se submeter a esse clima de silêncio e omissão? A situação atual, em que muitos preferem “fingir que nem ouviram”, não é saudável para a democracia. O medo de falar, de expor opiniões, de se manifestar livremente, é o prenúncio de uma sociedade doente. O Brasil não pode se render à ideia de que a verdade deve ser escondida, ou que o dissenso é um crime a ser punido.
Se o caminho para a liberdade de expressão e o direito de opinião for o silêncio, o país estará abrindo mão de seus maiores valores democráticos. O futuro da nação depende da coragem de seus cidadãos, da capacidade de resistir ao medo e de não se curvar diante da pressão de um sistema que tenta calar as vozes dissonantes.
A provocação que fica, então, é: será que devemos continuar nos conformando com a situação atual? Ou será que chegou o momento de resgatar a verdadeira liberdade de expressão, sem medo das consequências? A resposta, como sempre, depende de todos nós. Mas o que não podemos fazer é permitir que o Brasil se transforme em um país onde a única saída seja “fingir que nem ouviu”. Essa situação não pode continuar assim.