Por Ricardo Ramos (*)
O Supremo Tribunal Federal (STF) está em um momento decisivo para a regulamentação da internet no país, com o julgamento de ações que podem redefinir a responsabilidade das plataformas digitais sobre os conteúdos publicados por seus usuários. Este processo levanta questões fundamentais sobre a liberdade de expressão e a proteção contra abusos, evocando comparações históricas com períodos de repressão e censura, como a Inquisição.
O CONTEXTO ATUAL
No dia 27 de novembro de 2024, o STF iniciou o julgamento de três ações que questionam o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), que estabelece princípios e diretrizes para o uso da internet no Brasil. O artigo 19 da lei é central nesse debate, pois condiciona a responsabilização civil das plataformas à existência de uma ordem judicial específica para a remoção de conteúdos considerados ilícitos. A discussão gira em torno da constitucionalidade desse dispositivo e se as plataformas devem ser responsabilizadas por conteúdos gerados por terceiros sem uma decisão judicial prévia.
Os casos em pauta incluem um recurso do Facebook que questiona a obrigação de remover perfis falsos apenas mediante ordem judicial, e uma ação do Google que discute se as plataformas devem ter o dever de fiscalizar conteúdo ofensivo sem intervenção do Judiciário. Além disso, há uma ação que discute a possibilidade de bloqueio de aplicativos como o WhatsApp, levantando preocupações sobre a liberdade de comunicação.
A NOVA INQUISIÇÃO?
A comparação entre os desafios atuais enfrentados pelo STF e os processos históricos de inquisição é provocativa. Durante a Inquisição, indivíduos foram perseguidos e punidos por expressar ideias consideradas heréticas ou contrárias ao dogma vigente. Cientistas como Galileu Galilei foram condenados e forçados a renunciar suas descobertas sob ameaças severas. Essa repressão à liberdade de pensamento é um paralelo ao que muitos temem que possa ocorrer com a regulamentação das redes sociais hoje.
A preocupação é que decisões judiciais possam levar à censura prévia, onde plataformas removem conteúdos por medo de represálias legais, criando um ambiente hostil à livre expressão. O ministro Alexandre de Moraes enfatizou que é necessário garantir a liberdade de expressão, mas também não se pode permitir “a liberdade de agressão” nas redes sociais. Essa dualidade reflete uma luta constante entre proteger direitos individuais e manter a ordem social.
PRESSÕES SOCIAIS E POLÍTICAS
O contexto atual é marcado por uma crescente pressão social e política para regular as plataformas digitais. O atentado ocorrido na Praça dos Três Poderes em Brasília, onde um bolsonarista fez ameaças via redes sociais, acendeu um alerta entre os ministros sobre a necessidade urgente de regulamentação. A discussão sobre como lidar com discursos de ódio e desinformação nas redes sociais se intensificou, levando muitos a argumentar que uma regulamentação mais rigorosa é necessária para proteger a democracia.
No entanto, críticos alertam que essa regulamentação pode ser mal utilizada para silenciar vozes dissidentes ou críticas ao governo. Jornais impressos têm defendido a inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil, enquanto portais independentes expressam preocupações sobre possíveis censuras resultantes da remoção automática de conteúdos.
O PAPEL DO STF
O STF, ao decidir sobre essas questões, não apenas moldará o futuro da internet no Brasil, mas também definirá os limites da liberdade de expressão em um ambiente digital cada vez mais complexo. As decisões tomadas podem estabelecer precedentes significativos sobre como as plataformas devem operar e quais responsabilidades têm em relação ao conteúdo gerado por usuários.
Os ministros estão cientes da importância dessas decisões e da necessidade de encontrar um equilíbrio entre proteger os direitos dos indivíduos e garantir um espaço seguro para discussões democráticas. A expectativa é que as deliberações do STF não apenas influenciem o cenário jurídico brasileiro, mas também sirvam como referência para outros países que enfrentam desafios semelhantes na regulação da internet.
O julgamento das ações relacionadas ao Marco Civil da Internet pelo STF representa um momento crítico na história da regulamentação digital no Brasil. À medida que o tribunal navega entre as complexidades legais e sociais envolvidas na responsabilidade das plataformas digitais, ele também enfrenta o desafio ético de garantir que a liberdade de expressão não seja sacrificada em nome da segurança pública ou da ordem social.
Assim como na história da Inquisição, onde verdades científicas foram sufocadas por dogmas estabelecidos, o futuro das vozes na internet depende das decisões judiciais atuais. O equilíbrio entre regulação e liberdade será fundamental para garantir que a internet continue sendo um espaço para a troca livre de ideias e informações sem medo de repressão ou censura.