Lula sob o olhar da Lei Magnitsky: é preocupante?

Na atual conjuntura geopolítica, os pronunciamentos Lula podem enquadrá-lo também na aplicação da Lei Magnitsky

Por William Saliba (*)


Os comentários críticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta segunda-feira e hoje (8/7) contra Donald Trump, que recentemente denunciou em sua rede social Trust a perseguição política a Jair Bolsonaro, reacenderam o debate sobre a aplicação da Lei Magnitsky pelo governo dos Estados Unidos. O jurista André Marsiglia, citado em reportagem da Revista Oeste, sustenta que a norma norte-americana, orientada por condutas individuais de violação de direitos humanos, poderia recair sobre Lula, caso se entenda que ele atua em conluio com o Judiciário, para perseguir opositores ou mesmo figurar como agente de um Estado autoritário.


A Lei Magnitsky, promulgada em 2012 e expandida em 2016 para alcance global, foi desenhada para penalizar estrangeiros envolvidos em tortura, repressão política ou corrupção, bloqueando bens nos EUA e impedindo transações financeiras no sistema internacional – tudo sem exigência de processo judicial formal. É justamente essa característica administrativa e célere que potencializa seu efeito imediato, mesmo contra autoridades de países aliados.

O caso da possível aplicação a um ministro da Suprema Corte brasileira serve como parâmetro. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, admitiu a “grande possibilidade” dessa aplicação da norma, em razão de decisões do ministro consideradas “como censura à imprensa e perseguição política”.

A força dessa legislação reside, sobretudo, na centralidade dos EUA na economia global: bancos brasileiros, plataformas digitais e operadores de crédito — mesmo sediados no Brasil — podem vir a restringir serviços, por medo de punições extraterritoriais.

Ademais, Marsiglia certifica que, se Washington perceber que Lula estaria indo além de um embate retórico contra Trump, interpretando seu governo como orquestrador de “perseguição política a Bolsonaro”, restará caracterizada uma violação de direitos humanos. Nesse cenário, a lei não distingue entre a figura do presidente e a de ministros: o foco é a pessoa física envolvida nas condutas.

É importante destacar que até agora a norma não foi aplicada a líderes eleitos de democracias consolidadas – com exceção do caso raro de Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita, e outros regimes autoritários. Assim, o eventual enquadramento de Lula marcaria uma mudança sísmica: sairia do campo simbólico para se tornar uma sanção política de grande impacto.

Sob esse prisma, quais seriam os efeitos? Além do impedimento de entrada em território americano, Lula — e bancos ou empresas associadas — podem sofrer bloqueios financeiros, perda de acesso a cartões internacionais e restrições em plataformas digitais. Embora o direito brasileiro alegue que essas sanções não têm validade em solo nacional, a racionalidade prática converge ao contrário: bancos com vínculos ao sistema financeiro global tendem a aplicar sanções por prudência legal.

Do ponto de vista diplomático, a aplicação da Magnitsky em Lula produziria uma crise profunda: jamais um presidente eleito de uma nação aliada foi isolado dessa forma. O Brasil teria de decidir entre reagir diplomaticamente – provavelmente abrindo frentes de retaliação em organismos internacionais – ou tentar minimizar o estrago partindo de uma posição de fragilidade, como alertado por Leandro Gabriati, no jornal Gazeta do Povo.

Em suma, o comentário de Lula sobre Trump não foi apenas um trocadilho político, mas um alerta: sinais de impasse ideológico entre os dois países podem desencadear consequências concretas no plano econômico e financeiro, por via da Magnitsky. A retórica de “soberania” já não basta se Washington considerar que o Brasil incorre em violações de direitos humanos. Esse risco, hoje, transita entre a retórica e a materialidade.

Post do jurista André Marsiglia no X
(*) William Saliba, diretor do Carta de Notícias, é jornalista profissional há 55 anos e detentor de vários prêmios no setor da Comunicação.

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