Por Ricardo Ramos (*)
Em tempos de polarização e teatralizações políticas, a moralidade se tornou, para muitos, apenas um adereço conveniente. Recentemente, o deputado federal André Janones (Avante-MG) se mostrou um exemplo escancarado de como o discurso moralista pode ser seletivo e, sobretudo, hipócrita.
Janones, condenado por envolvimento no esquema de “rachadinha”, conseguiu escapar de uma ação penal através de um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Pagou uma indenização, admitiu culpa e, assim, evitou punições mais severas. O crime: forçar assessores a devolverem parte de seus salários — desvio direto de dinheiro público, o tipo de corrupção que mina as bases do Estado e alimenta o descrédito popular nas instituições. Um escândalo grave.
E, no entanto, o mesmo Janones subiu aos palanques digitais para defender uma punição exemplar — ou melhor, desumana — para Débora Rodrigues dos Santos, uma cabeleireira que pichou “perdeu, mané” na estátua da Justiça durante os atos de 8 de janeiro. Por sua ação, Alexandre de Moraes propôs uma condenação de 14 anos de prisão, além de multas e indenizações milionárias. Para Janones, isso seria “pouco”. Débora mereceria ainda mais.
O que o deputado parece ignorar — ou prefere esquecer — é a profundidade da parábola contada por Jesus em Mateus 18:23-35. Um rei perdoa um servo por uma dívida imensa, mas esse servo, ao sair, cobra com violência uma quantia ínfima de seu conservo. Ao saber disso, o rei retira o perdão e o entrega aos verdugos. A lição? Misericórdia exige coerência. Quem recebe perdão não pode agir com dureza desproporcional.
Janones, ao pagar para evitar a justiça penal por um crime que lesa o erário, não demonstra humildade ou arrependimento — ao contrário, exibe altivez, exigindo punição extrema para uma mulher cujo crime, por mais reprovável que seja, foi simbólico, de impacto concreto limitado. Escrever numa estátua não se compara a desviar dinheiro de salários públicos.
A atitude do deputado não é apenas desproporcional; é reveladora de uma noção deturpada de justiça — ou melhor, de oportunismo. Falta-lhe senso de medida, ou, se preferirmos um termo mais sofisticado, noção de equidade. Sua postura ressoa com o “servo mau” da parábola, incapaz de oferecer a mesma misericórdia que recebeu. Para Janones, parece que justiça é boa quando pesa sobre os outros, mas flexível quando o réu é ele.
Mais do que covardia, a atitude de Janones reflete um teatro de virtude, onde a retórica do “combate à impunidade” é usada como palanque político, não como princípio. Enquanto isso, Débora, com todos os seus erros, se torna um símbolo da desproporção, da seletividade, e da falta de misericórdia que deveria escandalizar qualquer cidadão atento à coerência.
O Brasil precisa, mais do que nunca, de líderes que compreendam a profundidade da justiça — não apenas como sanção, mas como equilíbrio, medida, compaixão. Precisamos menos de servos ingratos e mais de reis justos.