As mulheres representam 53% dos pesquisadores no Brasil, de acordo com o levantamento Perfil do Cientista Brasileiro, apoiado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Apesar disso, as diferenças em função do gênero persistem na ciência.
As mulheres ainda são pouco indicadas para a coordenação de pesquisas, têm a produtividade científica muito impactada pela maternidade e ainda sofrem mais com situações de assédio moral e sexual no ambiente acadêmico.
Para contribuir com a mudança desse cenário, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) lançou, no ano passado, a Chamada 06/2023 – Ciência Por Elas: Fomento à Participação Feminina na Ciência, Inovação e Colaboração Internacional.
Os resultados preliminares da chamada dão uma ideia do impacto que a iniciativa terá para as pesquisas mineiras. “Desenhamos um chamamento que em nossas expectativas otimistas alcançariam de cem a 120 projetos. Recebemos 467 propostas! Com um nível de qualidade enorme”, exalta a chefe do Núcleo de Cooperação Internacional da Fapemig, Elisângela Aparecida Xavier.
“Ao desenharmos uma ação, nem sempre conseguimos ter a real dimensão de seus efeitos e impactos, mesmo fazendo um levantamento prévio de sua situação histórica, mensurando dados e prospectando as melhores informações”, revela Elisângela.
SAÚDE MENTAL
A pesquisadora Michelle Morelo Pereira foi uma das contempladas da chamada. Ela trabalha no Campus Divinópolis da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) e teve seu projeto aprovado na linha C – coordenação feminina (individual ou em grupo) com colaboração internacional.
Intitulado “Intervenções para a saúde mental e bem-estar de mulheres professoras universitárias”, o projeto tem uma equipe formada somente por mulheres que resolveram abordar um problema que atinge as pesquisadoras de forma muito específica: a saúde mental.
Michelle contará com apoio de pesquisadoras da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Universidade de São Paulo (USP), além da participação de profissionais de instituições internacionais, o que segundo ela, vai ajudar o grupo a compreender as diferenças de como a saúde mental das pesquisadoras é afetada em países como Canadá, Austrália e Reino Unido. “Nesses locais, há uma separação entre a docência e a pesquisa. No Brasil, a gente acaba acumulando todas essas funções. Quando assumimos cargos, além da docência nas universidades públicas, a sobrecarga aumenta ainda mais”, diz.
“Queremos compreender o que há de diferente lá, o que podemos aperfeiçoar por meio políticas públicas que assegurem condições de essas mulheres seguirem na liderança”, revela a pesquisadora.
A pesquisa está sendo conduzida no momento, em uma primeira fase que é o mapeamento da literatura e das políticas e ações organizacionais já existentes em diferentes universidades, voltadas para o bem-estar e saúde mental de mulheres, comparando Brasil, Austrália, Canadá e Reino Unido.
Na segunda, serão feitas pesquisas quantitativas e qualitativas para averiguar quais variáveis influenciam o bem-estar e a saúde mental das mulheres no contexto acadêmico em diferentes culturas e instituições universitárias. Por último, a partir dos achados das etapas anteriores, serão desenvolvidas e testadas intervenções em professoras universitárias de Minas Gerais.
Michelle acredita que, muitas vezes, as pesquisadoras não têm condições mínimas para desenvolver seu trabalho porque são afetadas pela falta de acesso à estrutura básica, como ter acesso à internet ou ter um laboratório equipado. Para ela, se houvesse investimento em uma estrutura mais robusta, com acesso à creche e flexibilidade de horário, por exemplo, a produtividade e a carreira das pesquisadoras seriam impactadas muito positivamente.
“Quando falamos em ações, pensamos na oferta de condições no ambiente de trabalho que nos traga uma qualidade e que reconheça as universidades como fonte de produção de conhecimento. Lidamos hoje com movimentos de negação da ciência, por isso precisamos problematizar essas questões para que consigamos realmente buscar soluções”, acredita a pesquisadora.
DETECÇÃO DE BIOMOLÉCULAS
Outra iniciativa propõe adequar uma plataforma portátil de base nanotecnológica e fotônica, para servir aos diversos processos da cadeia produtiva do leite, formada por pesquisadoras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
O projeto Consolidação de uma Rede Mineira Interdisciplinar de Pesquisadoras para a ampliação do Uso de Fotônica e Nanotecnologia em Benefício da Cadeia Produtiva do Leite foi aprovado na linha B da chamada – coordenação feminina em grupo – as pesquisadoras vão usar uma plataforma portátil de detecção de biomoléculas que começou a ser desenvolvida no Departamento de Física da UFMG, em 2016.
A tecnologia, completamente nacional, é objeto de patentes e está em um estágio de maturidade relativamente avançado. De acordo com Anna Carolina Lage, subcoordenadora do projeto e pesquisadora da Fiocruz, a Fundação em que trabalha foi a primeira a usar a tecnologia. “Essa plataforma é baseada em dois elementos: nanossensores de ouro e um leitor óptico. O leitor identifica o sinal de detecção ou não detecção emitido pelos nanossensores”.
Anna conta que a tecnologia é usada na Fiocruz para a pesquisa de arboviroses, atualmente. “Como é uma plataforma muito flexível, podemos usar o mesmo leitor óptico na detecção de diferentes alvos e moléculas, trabalhando a modificação de uma mesma nanopartícula. Nós a modificamos de acordo com o que pretendemos detectar”, explica a pesquisadora.
Minas Gerais é o maior produtor nacional de leite e estima-se que 60% dos antibióticos utilizados em rebanhos leiteiros estejam associados ao tratamento da mastite bovina, uma patologia que afeta a quantidade e a qualidade do leite. Dessa forma, os sensores poderão ajudar a detectar esses e outros problemas.
“A diversidade de perspectivas das coordenadoras e das outras pessoas envolvidas permite uma abordagem multidisciplinar e holística, convergindo o conhecimento entre disciplinas como Física, Química e Ciências da Saúde, fazendo com que o trabalho avance rapidamente e gere resultados positivos e prolíficos”, acredita a subcoordenadora do projeto.
Os sensores serão desenvolvidos em conjunto, por especialistas de diversas áreas, mas a construção e a prova de conceito acontecerão no Laboratório de Saúde, Meio-Ambiente e Segurança do Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno da UFMG (CTNano), com orientação da professora e coordenadora do projeto, Lívia Síman.
A partir da obtenção da prova de conceito, eles serão validados pelos especialistas em diferentes braços da rede, sob responsabilidade das outras coordenadoras. Anna explica que esse processo permitirá identificar novas necessidades e desafios, o que poderá promover o desdobramento da rede e o surgimento de novas parcerias.
A pesquisadora reconhece que trabalhar com soluções para o agronegócio, área que em grande medida é coordenada por homens, é um grande desafio. A pesquisadora acredita, no entanto, que com a inovação e a criatividade vinda do olhar feminino sobre os problemas do setor, esse desafio poderá ser superado.
“Ao destacar e apoiar as mulheres na ciência e na agricultura, acreditamos que podemos ajudar a superar barreiras de gênero e incentivar mais mulheres a se envolver e liderar iniciativas no campo. Uma vez que a presença e o sucesso das mulheres em projetos como este desafia estereótipos e pode ajudar a promover uma mudança na percepção da sociedade sobre o papel das mulheres na ciência e, também, no agro”, prevê Anna Carolina Lage.