A disputa entre a Usiminas e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) sobre a venda de ações da siderúrgica mineira, adquiridas pela CSN em 2011 e 2012, entrou em mais uma fase do processo judicial, que já dura mais de uma década. Em foco está o descumprimento de uma decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que determinou à CSN a venda das ações que possui na Usiminas, por considerar a participação da empresa uma prática anticoncorrencial.
A disputa judicial foi recentemente reavivada, com novos desdobramentos no Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), que ordenou que a CSN vendesse as ações até 10 de julho de 2024. Contudo, até agora, a CSN não cumpriu a decisão, o que levou a Usiminas a buscar novamente o Poder Judiciário para garantir o cumprimento da ordem e afastar o que considera uma situação prejudicial para a empresa e para o mercado como um todo.
Em entrevista ao jornal O Tempo, neste sábado (1/2), o diretor jurídico da Usiminas Guilherme Poggiali explicou as implicações da demora na resolução do caso e os prejuízos que a manutenção de um concorrente como acionista da companhia pode causar.
A entrevista, agora republicada pelo portal Carta de Notícias, traz uma análise detalhada sobre os impactos da situação para o setor siderúrgico e para os investimentos na Usiminas.
INÍCIO DO CONFLITO
O imbróglio começou em 2011, quando a CSN adquiriu 16,42% das ações da Usiminas, o que, segundo o Cade, configurou uma conduta anticoncorrencial. A entidade entendeu que a compra da participação acionária da Usiminas pela CSN poderia afetar a livre concorrência no mercado siderúrgico, dada a rivalidade entre as duas companhias no setor de produção de aço.
Em 2014, o Cade determinou que a CSN vendesse suas ações da Usiminas, sob pena de multas severas e até mesmo a nomeação de um interventor para a empresa, caso não cumprisse o prazo de cinco anos para se desfazer da participação. A CSN, então, assinou um Termo de Compromisso de Desempenho (TCD) com o órgão regulador, comprometendo-se a reduzir sua participação para menos de 5% do capital social da Usiminas até 2019.
No entanto, a empresa não cumpriu a decisão, e o prazo se esgotou sem que a venda fosse realizada. Em 2022, o Cade prorrogou o prazo, tornando-o indeterminado, uma medida que, segundo Poggiali, “não tem qualquer efeito prático” e agrava ainda mais os prejuízos para a Usiminas.
ATUAÇÃO DA JUSTIÇA
Diante do descumprimento das decisões, a Usiminas recorreu ao Judiciário para garantir a venda imediata das ações e assegurar que as regras de concorrência fossem respeitadas. O processo tramitou na Justiça Federal de Belo Horizonte, e a primeira instância, seguida pelo TRF6, determinou que a CSN deveria se desfazer de sua participação até julho de 2024.
Entretanto, a CSN tem utilizado recursos legais para protelar a venda, o que, segundo a Usiminas, mantém uma situação jurídica incerta que prejudica a competitividade no mercado. “A CSN usa todo tipo de artifício para protelar o efeito da decisão contrária ao seu interesse, e essa situação se arrasta há mais de dez anos”, afirmou o diretor jurídico da Usiminas.
IMPACTOS PARA A USIMINAS E PARA O MERCADO
De acordo com Poggiali, a manutenção de um concorrente relevante dentro do quadro acionário da Usiminas tem causado sérios danos à companhia e à saúde do mercado como um todo. “Não há como negar que ter um concorrente dentro da empresa é prejudicial para o desenvolvimento da Usiminas”, afirmou. Um dos exemplos citados pelo diretor jurídico foi a atuação da CSN contra iniciativas estratégicas da Usiminas, como o aumento de capital realizado em 2016, que contou com a participação da Ternium e da Nippon Steel e foi crucial para a recuperação financeira da siderúrgica.
Outro ponto levantado por Poggiali é o impacto da presença da CSN na liquidez das ações da Usiminas. A CSN detém uma quantidade significativa de ações ordinárias da empresa, o que, segundo ele, reduz a circulação desses papéis no mercado e compromete a atratividade dos investimentos. “Grande parte das ações ordinárias da Usiminas disponibilizadas para circulação em Bolsa está nas mãos da CSN, reduzindo bastante a liquidez de nossas ações”, explicou o diretor jurídico.
SEGURANÇA JURÍDICA E INVESTIMENTOS
Em um momento em que a Usiminas busca fortalecer sua posição no mercado e atrair investimentos, a instabilidade jurídica causada pela demora no cumprimento das decisões judiciais pode ter efeitos negativos sobre o ambiente de negócios. A falta de segurança jurídica, como apontou Poggiali, é um fator desestabilizador que afasta investidores e compromete o crescimento da companhia. “Todos os investimentos necessários para cumprir as nossas obrigações estão sendo realizados. A segurança jurídica é um importante aspecto do ambiente de negócios”, afirmou.
Ele destacou, ainda, que o descumprimento contínuo das decisões prejudica não apenas a Usiminas, mas o próprio setor siderúrgico e o mercado financeiro como um todo. A longa tramitação do processo, somada à incerteza quanto ao cumprimento das normas de concorrência, enfraquece a confiança de investidores e compromete o futuro da empresa.
SILÊNCIO DA CSN
Apesar das tentativas de contato da reportagem de O Tempo com a CSN para obter uma posição oficial sobre o caso, a empresa não disponibilizou fontes para comentar o assunto. Em seu lugar, a siderúrgica tem divulgado comunicados à imprensa nos quais reafirma seu compromisso com a legalidade e com o respeito à Usiminas como acionista, mas, segundo a Usiminas, a postura da CSN “contraria a lei e causa transtornos” à sua operação.
O imbróglio entre as duas empresas coloca em xeque a efetividade das normas antitruste no Brasil e expõe um cenário de instabilidade que, segundo analistas do mercado, pode afetar negativamente as perspectivas de crescimento tanto da Usiminas quanto do setor siderúrgico como um todo. A solução do conflito, que já dura mais de dez anos, parece distante, e o futuro das siderúrgicas envolvidas segue dependendo de decisões judiciais que podem ter repercussões em todo o mercado.