A recente publicação do Decreto 12.282/24 pelo governo federal trouxe à tona um tema sensível para o setor de telecomunicações: a autonomia das agências reguladoras no Brasil. Ao transferir para o Ministério das Comunicações (MCom) competências tradicionalmente atribuídas à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o decreto ameaça desestruturar o modelo de regulação técnica que norteia o setor e coloca em risco a confiança de investidores e operadores.
De acordo com o texto, o MCom passa a definir diretrizes e estratégias para compromissos relacionados a leilões de frequências, como o do 5G, e até mesmo a determinar ações vinculadas às chamadas “obrigações de fazer”. Esse último ponto é especialmente preocupante, pois retira da Anatel a capacidade de negociar e implementar investimentos em áreas não lucrativas — uma prática técnica e alinhada às necessidades do mercado. O resultado? A agência é relegada a um papel secundário, atuando apenas como executora das decisões políticas do ministério.
A interferência direta em questões técnicas abre caminho para uma possível politização de decisões que deveriam ser essencialmente técnicas. A Anatel, desde sua criação, tem desempenhado um papel crucial como mediadora imparcial entre governo, mercado e sociedade. Sua independência permitiu avanços importantes, como a implementação do 5G e a expansão da banda larga em áreas rurais e periféricas.
Ao repassar ao MCom responsabilidades tão centrais, corre-se o risco de que critérios políticos e de curto prazo se sobreponham às necessidades de longo prazo. Afinal, a definição de investimentos estratégicos e o cumprimento de compromissos como os derivados de multas ou leilões não podem ser pautados por interesses de ocasião.
O decreto não apenas enfraquece a Anatel como também abre precedentes perigosos para questionamentos jurídicos. Juristas apontam que a determinação de que a Anatel observe diretrizes do MCom pode violar a separação entre funções administrativas e regulatórias, comprometendo o modelo de governança técnica que há décadas sustenta as agências brasileiras.
Além disso, a subordinação de decisões técnicas do setor a um órgão político gera insegurança jurídica, algo que desestimula investimentos. Operadoras e investidores dependem de regras estáveis e previsíveis. Quando essas bases são abaladas, o mercado hesita, e o impacto recai diretamente sobre os consumidores, que enfrentam atrasos em projetos, aumento de custos e redução na qualidade dos serviços.
A autonomia técnica das agências reguladoras é um pilar essencial para o desenvolvimento de setores estratégicos. Fragilizar a Anatel abre espaço para que outras agências sejam alvo de medidas semelhantes, comprometendo setores como energia, saúde e transporte. O enfraquecimento das regulações independentes pode transformar o país em um ambiente onde decisões são tomadas com base em agendas políticas e não em análises técnicas fundamentadas.
O Decreto 12.282/24 representa um retrocesso preocupante. Em vez de fortalecer a regulação técnica, ele a subordina a interesses políticos, colocando em xeque a credibilidade do Brasil enquanto destino para investimentos estruturais.
Em tempos de avanços tecnológicos e desafios crescentes na conectividade, enfraquecer a Anatel não é apenas um erro estratégico; é um risco para o desenvolvimento do país. É urgente que o setor, a sociedade e o poder judiciário debatam os limites dessa intervenção e reavaliem o impacto que ela pode causar.
A regulação técnica, imparcial e independente é um alicerce do desenvolvimento. Intervenções como essa devem ser vistas com cautela, pois comprometem não apenas o presente, mas o futuro da conectividade no Brasil.
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