Por Natália Brito (*)
Milão amanheceu, mais uma vez, vestida de vanguarda. No coração da Lombardia, entre os dias 8 e 13 de abril de 2025, a cidade italiana recebe a 63ª edição do Salone del Mobile, o maior palco internacional do mobiliário, da decoração e das linguagens do habitar. A feira, porém, não se limita mais a apresentar novidades da indústria. Ela se tornou um espelho do mundo: reflete nossos medos, desejos e dilemas sobre como (e por que) habitamos os espaços.
O Salão do Móvel de Milão não é apenas um evento setorial — é um manifesto. Entre corredores milimetricamente iluminados e estandes que mais parecem instalações artísticas, o visitante atento percebe o tom da mensagem: não basta criar beleza, é preciso torná-la viável. Sustentável. Humana. E, sobretudo, acessível à realidade contemporânea, onde a casa deixou de ser apenas moradia para se tornar abrigo emocional, posto de trabalho e centro das relações.
Em 2025, o evento propõe uma narrativa clara: o design deve ser um agente de transformação social. As peças expostas dialogam com uma necessidade urgente de reconciliação entre estética e ética. Não se trata apenas de cadeiras leves ou luminárias inteligentes. O que está em jogo é um redesenho do mundo que habitamos, onde o bom design precisa, acima de tudo, fazer sentido.
Essa edição, por exemplo, investe em rotas expositivas mais intuitivas, inclusivas e imersivas, substituindo a velha lógica de feira de negócios por experiências sensoriais e afetivas. A Bienal Euroluce ressurge com soluções de iluminação que mesclam arte, tecnologia e consciência ambiental. Já o Salone Satellite se consolida como vitrine de jovens designers que propõem objetos com impacto real — muitos deles desenvolvidos com reaproveitamento de materiais ou tecnologias de baixo impacto.
Mas é fora dos pavilhões, nas conversas entre visitantes e nos cafés improvisados nos corredores, que se percebe o real impacto do evento. Profissionais do mundo todo discutem desafios comuns: como criar sem agredir? Como manter a originalidade diante de uma avalanche de tendências pasteurizadas? Como responder a um público cada vez mais consciente — e, ao mesmo tempo, economicamente fragilizado?
A programação cultural da feira amplia o escopo do design e abre espaço para manifestações que conectam arte, arquitetura, cinema e pensamento crítico. Essa interseção entre disciplinas reforça o papel do profissional criativo como intérprete de seu tempo, alguém capaz de traduzir complexidades sociais em formas habitáveis e significativas.
É preciso reconhecer, no entanto, que a feira ainda esbarra em contradições. Muitas das soluções sustentáveis apresentadas têm valores restritivos, que inviabilizam seu acesso ao público em geral. A lógica de exclusividade ainda é predominante em muitos estandes. O desafio é romper essa bolha e compreender que o bom design só é transformador se for coletivo.
Ao final da visita, fica a certeza de que o Salone del Mobile não é mais apenas uma feira: é um ensaio sobre o futuro do morar. E a responsabilidade que repousa sobre arquitetos, designers e fabricantes é imensa. Afinal, se o espaço que habitamos molda quem somos, então transformar o ambiente é, em última instância, transformar o ser humano.