Por Edmundo Polck Fraga (*)
A história do “conto do vigário” remonta ao século XVIII, quando espertalhões chegavam a pequenos povoados de Minas Gerais se passando por emissários do vigário. Alegavam carregar uma mala cheia de donativos e precisavam de um local seguro para guardá-la. Como garantia, solicitavam uma quantia em dinheiro, prometendo devolver a diferença ao retornarem. O desfecho era previsível: os golpistas desapareciam, e os lesados ficavam apenas com o prejuízo.
Ao longo dos séculos, o golpe tomou novas formas, mas a essência permaneceu: falsas promessas, exploração da boa-fé e, no final, prejuízo para os enganados. Hoje, um dos exemplos mais gritantes desse tipo de fraude ocorre no setor de planos de saúde. Cerca de 50 milhões de brasileiros pagam mensalidades altíssimas por anos, acreditando ter segurança em momentos críticos. No entanto, ao precisarem do serviço, são surpreendidos com negativas de cobertura, limitações de exames e cancelamentos unilaterais de contrato.
Imagine a angústia de um trabalhador que, ao se aposentar ou ser demitido, descobre que seu plano de saúde foi cancelado antes mesmo de expirar o prazo legal. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a saúde como direito de todos e dever do Estado, permitindo a atuação da iniciativa privada sob regulação governamental. Contudo, apenas em 1998 a Lei 9.656 estabeleceu regras mais claras para o setor, proibindo a rescisão unilateral de contratos e submetendo os reajustes anuais à aprovação do governo.
Apesar desses avanços, os abusos persistem. As reclamações contra planos de saúde continuam liderando os rankings de queixas, conforme aponta o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC). A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criada em 1999 para regulamentar o setor, é frequentemente criticada por priorizar interesses das operadoras em detrimento dos consumidores. Cabe a nós, cidadãos, lembrar que o papel das agências reguladoras é equilibrar os direitos dos beneficiários com a sustentabilidade das empresas, garantindo um sistema justo e eficiente.
Em maio de 2024, após uma série de denúncias sobre cancelamentos abusivos de planos coletivos, a ANS emitiu esclarecimentos importantes:
– Nenhuma operadora pode fazer seleção de riscos ao contratar, atender ou excluir beneficiários.
– Nenhum consumidor pode ser impedido de adquirir um plano devido à sua condição de saúde ou idade.
– A exclusão de clientes por esses motivos é expressamente proibida.
O Código de Defesa do Consumidor também adverte que explorar a vulnerabilidade dos clientes, especialmente por razões de idade, saúde ou condição social, é prática abusiva.
Assim como no “conto do vigário” do passado, milhões de brasileiros ainda são vítimas de promessas enganosas. A história se repete, e cabe a cada um de nós buscar informação, fiscalizar e exigir que nossos direitos sejam respeitados.